O Estudo de Impacto de Vizinhança pode ser substituído pelo Estudo de Impacto Ambiental?

Este artigo foi escrito com a colaboração da colunista Tania Vaz, e aborda a seara do Direito Urbanístico, Direito Ambiental e Direito Civil, mais precisamente acerca do instituto jurídico sobre o estudo de impacto de vizinhança.

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Texto de responsabilidade, criação e opinião do (a) Autor (a)!

Introdução

 A abordagem do tema objeto do presente artigo só se faz possível graças a relativização do direito de propriedade, ocorrida no sistema jurídico pátrio. Enquanto em um passado próximo a propriedade valia por si só, hoje ela precisa estar em consonância com o todo e com todos.

Assim, institutos jurídicos foram positivados no ordenamento legal de forma a equacionar direitos e deveres de cada um na cidade, pois no meio ambiente artificial, presente e futuro andam juntos, moradores de hoje têm corresponsabilidade com a cidade que deixarão para moradores de amanhã.

Nessa toada, o Estudo de Impacto de Vizinhança entrou no ordenamento jurídico com o objetivo de impedir, ou minimizar impactos de obras perante a rua, a um bairro e a própria cidade.

Desta forma, observa-se que os institutos jurídicos à disposição da política urbana seguem a lógica da especialização, alguns positivados em legislação ambiental própria, outros em legislação de proteção ao patrimônio, e outros em legislação afeta ao direito de construir, aqui inserido o tema do presente artigo.

Da vizinhança e do Estudo de Impacto de Vizinhança

O Código Civil legou capítulo próprio para disciplinar os chamados “Direitos de Vizinhança”, que estão elencados no capítulo V, dos artigos 1277 a 1313, podendo o vizinho de obra que possa causar interferência prejudicial a sua propriedade recorrer ao judiciário.

 Ressalta-se que, embora não haja previsão no atual Código de Processo Civil da então conhecida ação de nunciação de obra nova, os prejudicados, incluída aqui a administração pública, podem, de acordo com a nova sistemática processual, buscar o desfazimento e ou impedimento de obra nova prejudicial, por meio de ação ordinária, pelo rito comum.

Nessa ação o autor, dono da obra prejudicada, tem à sua disposição a tutela de urgência para evitar que a obra continue, ou, que a obra seja demolida se já estiver pronta.

Necessário o aqui exposto, referente aos Direitos de Vizinhança, objetivando restar claro que o legislador sempre se preocupou em resguardar o direito de quem constrói e o direito do vizinho de determinada obra, de forma a compatibilizar interesses.

Ocorre que, dono da obra e vizinho prejudicado pela obra estão inseridos no contexto da cidade, que deve observância as diretrizes fixadas pelo Estatuto da Cidade quanto a gestão democrática da cidade, ao planejamento do desenvolvimento das cidades, e, principalmente, quanto a garantia de cidades sustentáveis.

E é nesse cenário, de busca do interesse econômico e social, onde o poder público precisa compatibilizar moradia, trabalho, transporte e lazer nas cidades, que aparece o Estudo de Impacto de Vizinhança como instrumento capaz de harmonizar todos esses itens.

O que é o Estudo de Impacto de Vizinhança?

O Estudo de Impacto de Vizinhança, também chamado de EIV, está previsto na Lei nº 10257/2001, conhecido como Estatuto da Cidade, mais precisamente nos artigos 4º, inciso VI, e artigos 36 a 38 do mesmo diploma legal.

Como dito acima, esse instituto busca harmonizar e conciliar interesses, porém, diferente do direito do vizinho da obra prejudicada, aqui tem-se o poder-dever da administração pública em fazer cumprir sua política urbana.

Dos contornos legais do Estudo de Impacto de Vizinhança

Trata-se de instituto que deve entrar no ordenamento municipal, por meio de lei própria, onde aquele ente, atendendo a especificidades e peculiaridades locais, estabelece quais obras ou atividades dependerão da elaboração de EIV para obter outorga do poder público.

Neste sentido, o município pode e deve observar suas características próprias, mas deve, também, obedecer ao disposto no Estatuto da Cidade, quanto a cumprir o rol de exigência mínimas a serem contemplados em lei própria. Esse rol está disposto no artigo 37 da Lei nº 10.257/2001, aqui transcrito:

 “Art. 37…….

I – adensamento populacional;

II- equipamento urbanos;

III – uso e ocupação do solo;

IV – valorização imobiliária;

V – geração de emprego;

VI – ventilação e iluminação;

VI – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural..”

Frise-se que os itens acima, que precisam estar contemplados no estudo do EIV, deve ser elaborado pelo dono da obra/empreendimento, tendo em vista a qualidade de vida, não só da população próxima da área, mas também do impacto dessa obra na vida da população das proximidades, e, a depender do empreendimento e da cidade, com impactos positivos ou negativos para toda a cidade.

Sob esse norte, qual seja, buscar qualidade de vida do cidadão, o EIV precisa ser elaborado atendendo aos itens do artigo 37, e aos que existirem em lei municipal própria.

Já os técnicos do poder público que irão analisar e fazer o controle das licenças, por sua vez, devem estar atentos e preparados para fazerem uma análise criteriosa do aspecto positivo ou negativo, pois um empreendimento que aparentemente venha a ser positivo, pode ser danoso para aquele município, como uma obra que venha a valorizar por demais os imóveis ao redor deste empreendimento, ocorrendo, assim, a especulação imobiliária, fazendo com que terrenos ao redor não cumpram sua função social, não sendo utilizado, ou sendo subutilizado!

Ainda no campo das hipóteses, imagine um empreendimento comercial sendo erigido em uma área já adensada, contando com ruas estreitas e sem área para obras de alargamento e sem transporte público suficiente a suportar o fluxo de pessoas que passarão a frequentar aquele bairro? Por isso a importância deste estudo prévio e da fiscalização!

Quanto ao item que diz respeito à paisagem urbana e ao patrimônio natural e cultural, como elemento a ser contemplado no EIV, este não pode ser reduzido ao aspecto do belo, mas compreendida a certos padrões de estética, no caso estética urbana, que precisa de forma harmoniosa conviver com altura das construções, disposição das construções, fachadas, muros, prédios históricos, outdoor, placas, anúncios e tudo mais que a cidade carecer, frente a seu desenvolvimento.

Assim, o EIV pode ser exigido pelo Poder Público para minimizar impactos temporários, ou seja, durante a obra, ou impedir ou minimizar impactos de forma permanente. No primeiro caso, para minimizar transtornos ocasionados durante uma obra tem-se como exemplo, a colocação de redutores de velocidade próximo a uma obra localizada em avenida movimenta, para se evitar acidentes com a entrada e saída de caminhões, enquanto durar a obra.

Quanto a minimização de impacto permanente, tem-se como exemplo a exigência do Poder Público que o loteador alargue as ruas principais do loteamento que pretende fazer, tendo em vista o grande número de lotes, portanto, haverá um grande fluxo de veículos dentro do loteamento.

Por último, registre-se que por imposição legal ao EIV deve-se dar publicidade, considerado aqui como forma de permitir a gestão democrática da cidade, devendo o Estudo de Impacto de Vizinhança ficar à disposição para consulta de qualquer interessado no órgão competente, podendo a comunidade se manifestar.

Do Estudo de Impacto de Vizinhança e do Estudo de Impacto Ambiental

Como dito, o EIV se presta a buscar a proteção da cidade em face de empreendimentos e atividades nocivas, de obras que possam adensar determinado bairro, de construções que ocupem o solo de forma contínua, sem espaços para ventilação, perfazendo verdadeiros paredões urbanos, de empreendimentos localizados distantes dos centros, onerando o Poder Público com a instalação de escolas, postos de saúde, sem contudo, ter previsão orçamentária.

Neste azo, o Estudo de Impacto de Vizinhança, como disciplinado na letra do artigo 36 do Estatuto da Cidade, deverá ser disciplinado por Lei Municipal, dada a competência constitucional da municipalidade quanto ao ordenamento, planejamento, controle e uso do solo urbano.

Quanto ao Estudo de Impacto Ambiental, este objetiva evitar danos ao meio ambiente, podendo ser exigido por qualquer ente da federação, pois a competência nesse caso é concorrente, como disposto no artigo 24, incisos VI e VII da Carta política.

Neste tópico, abrimos um parêntese para àqueles que querem aprender um pouco mais sobre Direito Ambiental: Competência Ambiental, por isso, disponibilizamos um vídeo em nosso Canal do Youtube – Direito Sem Aperreio, que versa acerca das competências ambientais: concorrente, comum, dentre outras:

Neste sentido, não significando que o município não pode, ou não tem competência para exigir que normas atinentes ao meio ambiente venham a ser cumpridas. Ao contrário, Município, Estado e União têm competência material para proteger o meio ambiente e combater toda ação nociva, podendo em sua legislação exigir o Estudo de Impacto Ambiental (EIA). E, ainda, a depender do tipo e da extensão do empreendimento, Município e Estado poderão analisar conjuntamente o EIV e o EIA, tudo, é claro, sob o manto normativo.

Em cidades onde existam imóveis tombados, embora já exista lei protegendo tais bens, como o Decreto nº 25/1937, o EIV é o instituto que irá conciliar a história daquele lugar e as novas construções, de forma a se evitar que a historicidade se perca, ou se dilua em sua essência.

Da mesma forma, áreas verdes, lugares onde animais raros têm como seu habitat, matas importantes para proteção de nascentes, ao redor de rios, lagos, lagoas, esse sim, carecem do Estudo de Impacto Ambiental.

Desta feita, ainda que não haja norma proibitiva de substituição do Estudo de Impacto Ambiental pelo Estudo de Impacto de Vizinhança, como previsto no artigo 38 da Lei em comento, o contrário não poderia ser admitido, eis que, apesar de coexistam no mesmo instituto jurídico, vê-se que são análises técnicas de natureza diversa, com tutelas de bens diversos.

Conclusão

Como dito no início desse artigo, a lógica da política urbana é a especialização, assim, cada instrumento, cada instituto atua na particularidade de cada tema, deixando para os técnicos da área especializada usar o instituto adequado ao problema apresentado.

Porém, há que restar consignado que a importância dada pelo legislador aos fatores que devem ser abordados no EIV, como exposto no artigo 37 da citada lei, mostra, de um lado a importância do direito urbanístico como balizador de um direito a ser aplicado nas cidades, e, de outro lado, a responsabilidade do poder público na outorga de licenças e autorizações, para toda e qualquer construção que venha a impactar ou causar algum transtorno para os moradores de uma cidade.

Email.: tanicvaz@yahoo.com.br

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Um comentário sobre “O Estudo de Impacto de Vizinhança pode ser substituído pelo Estudo de Impacto Ambiental?

  1. Creio que o inciso VI: Paisagem Urbana do art. 37 do EC seja o divisor de aguas entre o EIV e o EIA. Cabera ao gestor publico analisar caso a caso e classificar o estudo correto, senao os dois, atravesa de embasamento legal e tecnico.

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